Fonte:Manuela Tecchio, do CNN Brasil Business, em São Paulo
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Em meio à crise imposta pelo coronavírus, as fintechs de crédito precisaram se adaptar a um crescimento rápido e massivo da demanda. Entre as modalidades, as startups especializadas em antecipação de recebíveis tiveram um aumento em torno de 70% na procura, de acordo com uma estimativa da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs).
Em alguns casos, o dado pode ser ainda maior. Segundo informou a assessoria da Weel, startup que atende 14 mil empresas, em sua maioria com faturamento anual de R$ 5 milhões, a fintech viu sua demanda explodir 120% nos meses de março a maio, em comparação com 2019.
O serviço de antecipação de recebíveis é uma alternativa aos lojistas. Ele consiste em adiantar o pagamento de contas a receber, contratos, duplicatas ou até mesmo cheques para que as empresas mantenham o capital de giro. A modalidade consegue oferecer crédito a custos mais baixos do que os financiamentos, porque o risco de inadimplência é menor — já que a outra parte se comprometeu a pagar via contrato, cheque ou outros meios.
Esse tipo de crédito é popular entre pequenas e médias empresas que precisam proteger o próprio caixa, mas também tem atendido grandes empresas que precisam sustentar suas cadeias de fornecedores. Um grande frigorífico, por exemplo, que queia garantir que os produtores de carne passem pela crise sem quebrar, pode operar com uma triangulação entre a própria tesouraria, a empresa fornecedora e o provedor de crédito.
Com o aquecimento no setor, e diante da prova de fogo imposta às fintechs como um todo pela pandemia, o mercado tem enxergado novas oportunidades em aquisições. Na última quinta-feira (23), a Liber Capital — que movimentou R$ 3 bilhões e cresceu 1000% no primeiro semestre de 2020 — anunciou a aquisição de 60% da Adianta, outra fintech do segmento de antecipação.
Da mesma forma, no fim do mês passado, a XP anunciou a compra da Antecipa, que iniciou a operação em 2016 e recebeu um aporte expressivo da americana Redpoint no ano passado. A princípio, uma aposta pouco óbvia para uma plataforma focada em investidor pessoa física, a nova empreitada “tem tudo a ver” com o braço de empresas da XP, conforme defende Camilo Telles, fundador da Antecipa.
“A Antecipa se encaixa dentro da lógica da XP porque oferece outras opções de crédito, especialmente como uma alternativa aos bancos tradicionais, factorings (uma operação financeira pela qual uma empresa vende seus direitos creditórios) e FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios). As grandes empresas passaram a olhar para a gente como uma opção de investimento, porque gera uma relação ganha-ganha”, afirma.
Outra aquisição, no início deste mês, colocou a plataforma One7 à frente de outra fintech de antecipação, a Rapidoo. Sem revelar o valor da transação, a companhia anunciou apenas que vai injetar R$ 50 milhões em financiamento para as empresas pagarem seus recebíveis.
Somente entre as parceiras da ABFintechs, são 19 startups que trabalham exclusivamente com antecipação ou passaram a se especializar na área nos últimos três anos. Segundo Fabio Neufeld, líder da vertical de crédito da associação, os processos menos burocráticos e as taxas mais baixas que as de bancos e factorings são as principais vantagens dessas startups em termos de competitividade.
“A antecipação é uma forma de crédito que está muito bem disseminada. E o grande benefício, frente ao financiamento, é o custo. No Brasil, essa indústria trouxe o fator tecnológico desde cedo, então temos um diferencial na experiência, nas aprovações mais rápidas, no índice de assertividade, que muito maior do que quando se fazia tudo na mão”, conta.
Um levantamento da consultoria PwC, realizado no ano passado, mostra que o segmento já representava 16% da operação das fintechs de crédito e que, entre pessoas jurídicas que solicitam capital, 21% o fazem por meio da antecipação de recebíveis — seja de forma combinada com um empréstimo ou outra modalidade ou exclusivamente.
Incerteza
Agora, na pandemia, o número de clientes dessas startups aumenta, à medida em que empreendedores procuram soluções mais baratas de crédito, mas, ao mesmo tempo, o montante transacionado cai. “Como a maioria dos negócios está faturando menos, tem menos recebível para ser antecipado. Em termos de volume, algumas empresas têm movimentado menos”, explica Neufeld, da ABFintech.
Mas uma preocupação no horizonte é a inadimplência, já que a crise atinge quase que de forma geral a economia. Por conta disso, a estratégia dessas startups tem sido proteger o próprio caixa. Algumas vezes, isso significa uma maior rigidez na aprovação de novos clientes ou mesmo o encarecimento do crédito — a Antecipa diz ter aumentado a taxa em cerca de 15%.
O vice-presidente da Weel, Nathan Yoles, conta que a empresa adotou essa estratégia, como forma de se preservar. “O cenário de incerteza nos fez ficar mais seletivos na liberação de novas operações. Estamos priorizando empresas com faturamento anual a partir de R$ 5 milhões. Além disso, priorizamos a proximidade e a compreensão do momento de nossos clientes.”
Não há dados oficiais sobre a inadimplência no período. Como as avaliações de risco intereferem diretamente nas rodadas de valuation dessas empresas, os números permanecem sob sigilo. Mas um estudo da corretora Socopa, do Banco Paulista, mostrou que os FIDCs custodiados pela instituição tiveram 73% de desempenho nas liquidações no fim de junho — contra 36% nos primeiros dias do mesmo mês. A estatística pode indicar um cenário de recuperação parecido dentro das fintechs.
O head da parte de empresas na XP, Rodrigo Moreira, argumenta que esse movimento não ser generalizado. “A pandemia não pegou todas as empresas do mesmo jeito. Faltou recebível em alguns clientes, mas em outros, não”, ressalva. Moreira também afirma que a busca por mais crédito é um sinal de amadurecimento dos negócios diante do momento difícil.
Além disso, no caso de algumas fintechs, como a própria Liber ou a Antecipa, que operam como marketplaces, a empresa de antecipação não carrega o risco da operação. Não é o caso de todas, mas mesmo as startups que operam um fundo próprio, geralmente têm um cuidado para reduzir a exposição e evitar uma falência, caso o fundo quebre.
Dessa forma, apesar da incerteza, os diretores permanecem otimistas. “Durante a crise, muitas grandes empresas passaram a fortalecer e dar mais atenção às suas cadeias de fornecedores, para que eles também consigam atravessar esse momento. E para isso, passaram a procurar crédito. Acho que esse é um legado da pandemia, que impulsiona esse tipo de solução”, analisa Moreira.
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